Rodoanel paulista: desastre num gigantesco ninho de irregularidades
Obra mais destacada entre aquelas que emolduram as peças de propaganda do Governo José Serra (PSDB), o rodoanel de São Paulo é também um dos maiores alvos de suspeitas e de denúncias de instituições fiscalizadoras como o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público. Para essas instituições, o rodoanel é como um gigantesco ninho de superfaturamento e irregularidades de todo o tipo. Na noite da última sexta-feira, por conta de uma ou de mais de uma das dezenas de irregularidades já apontadas, três vigas de um viaduto de 680 metros, em construção no trecho sul, desabaram sobre a Rodovia Régis Bittencourt esmagando três veículos e ferindo três pessoas. O Governo Serra aponta como provável causa do desastre alguma falha na construção, no tombamento ou no transporte das vigas. Suspendeu as obras por duas semanas, mas manteve o prazo final para 27 de março – pouco antes da provável renúncia de Serra para disputar a Presidência da República.
A investigação que apontará a(s) causa(s) imediata(s) do acidente foi confiada, pelo governador, ao Instituto de Pesquisa Tecnológica (IPT), ao Instituto de Criminalística e à Dersa – que administra e fiscaliza a obra, executada, no lote do trecho sul em que ocorreu o acidente, por um consórcio formado pelas empreiteiras OAS, Mendes Junior e Carioca Engenharia.
É precisamente sobre as relações da Dersa com as construtoras do rodoanel que recaem as suspeitas e as denúncias já apresentadas pelo TCU e o Ministério Público. Dessas relações já resultou, por exemplo, a assinatura de aditivos de R$ 265 milhões aos contratos originais. O de valor mais alto – R$ 10 milhões – favoreceu presidente as empreiteiras do trecho em que desabaram as vigas de 85 toneladas, 40 metros de comprimento e 2,5 metros de altura.
Em setembro, por exigência do Ministério Público Federal baseada na conclusão de duas auditorias do TCU, a Dersa e os consórcios que constróem o trecho sul assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta comprometendo-se a não celebrar mais nenhum termo aditivo e modificativo. Os aditivos que haviam assinado até então implicavam no pagamento de serviços adicionais e extracontratutais que permitiam acelerar o ritmo das obras, uma vez que o dinheiro servia para embutir serviços não previstos inicialmente.
TCU apontou 79 irregularidades
Como se não lhe bastassem os ajustes frequentes de preços ao longo da execução da obra, o consórcio quis baratear custos e, para isso, alterou materiais e o projeto da obra.
Pelo projeto básico, o consórcio deveria, por exemplo, usar fundações de concreto conhecidas como tubulões para sustentar os vãos livres dos viadutos do trecho sul do rodoanel. Mas os construtores trocaram esse material por duas mil vigas pré-moldadas, mais baratas – como as que desabaram poucas horas depois de instaladas.
A troca de material usado na construção, contudo, foi apenas uma das 79 irregularidades classificadas como “graves” em relatório emitido pelo Tribunal de Contas da União, em 29 de setembro, com base em duas auditorias feitas em 2007 e 2008, nos cinco lotes da obra.
O TCU apontou também o uso de estacas de tamanhos inferiores aos previstos no projeto básico. Os auditores do tribunal constaram ainda que estava prevista a instalação de sete vigas de sustentação a cada vão livre formado pelos novos viadutos. Ao executar a obra, no entanto, o consórcio usou menos vigas do que as previstas, em mais de um lote da obra.
As mudanças ocorridas nos lotes de obras, segundo o TCU, produziram indícios de superfaturamento nas medições dos serviços das empreiteiras, que totalizaram R$ 184 milhões. Ainda segundo o tribunal, foi reduzida a quantidade de material de construção usado na obra, mas os preços repassados ao governo estadual foram mantidos. O sobrepreço identificado nos cinco lotes varia de 29,4% a 111,5%.
O relatório do Tribunal de Contas da União também afirma que as empreiteiras alteraram o método de medição das obras. A medição passou a considerar os avanços físicos da obra, em vez de se basear nas quantidades unitárias, como metros e quilômetros. A mudança inviabilizou a medição quantitativa dos principais serviços, porque impede calcular se os pagamentos feitos refletem o que foi projetado e executado.
O tribunal constatou ainda que a Dersa pagou serviços de escavação de rocha para todos os lotes, até julho, mas apenas num lote o serviço era realizado.
Apesar das objeções feitas pelos auditores, o TCU não recomendou a paralisação da obra ou o bloqueio dos repasses federais – R$ 1,2 bi dos R$ 3,6 bilhões orçados para a construção dos 61 quilômetros do trecho sul.
Um acidente por ano
A queda do último dos 136 viadutos do trecho sul do rodoanel é o terceiro desastre ocorrido, nos últimos três anos, em grandes obras de engenharia executadas em São Paulo.
Em 2007, sete pessoas morreram quando se abriu uma cratera no canteiro de obras do metrô.
Em 2008, desabou um trecho do viaduto em construção do Expresso Tiradentes, antigo fura-fila.
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