Pode-se dizer que, no capitalismo, o problema do déficit habitacional é algo sem solução. É a lógica da escassez como condição para que um bem tenha um preço acima do seu valor. Essa constatação faz do programa habitacional anunciado pelo governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva uma ação política de significado ainda incalculável.
Por Osvaldo Bertolino
Além dos benefícios sociais, é preciso considerar o potencial de dinamismo que o programa representa para toda a cadeia produtiva — desde produtores de materiais de construção até lojas de móveis — e para o conjunto da economia. A expectativa é de que finalmente o país passe a ter uma política habitacional — até agora o que nós tínhamos era um mosaico com medidas isoladas e paliativas.
A última vez que se fez política para a habitação no Brasil foi na década de 1960, com o Sistema Financeiro da Habitação (SFH). O impacto do pacote no combate ao déficit habitacional do país, estimado em 7,2 milhões de moradias, tem reflexo também na disponibilidade de crédito para as camadas com rendas mais baixas da população.
Mesmo com o agravamento da crise, a demanda é líquida e certa. Além de contar com prestações e juros subsidiados, o plano prevê um seguro que, no caso de famílias com renda entre três e cinco salários mínimos, garante até 36 prestações. Para famílias com renda entre cinco e oito salários mínimos, a proteção será de 24 prestações e, para as famílias com renda de oito a dez salários mínimos, de 12 prestações. Os custos com documentação serão reduzidos, chegando à gratuidade para famílias com renda entre zero e três salários mínimos.
Manancial de oportunidades
Outra diferença significativa desse plano em relação aos demais é que ele não se baseia em subsídios para as construtoras — ele oferece segurança para as famílias assumirem um crédito de longo prazo. O programa mexe até com a lógica de funcionamento das construtoras ao determinar a predominância de construção de moradias para a baixa renda. Há previsões também de que com a queda da taxa básica de juros do Banco Central (BC), a Selic, o setor imobiliário se torne mais atrativo para bancos e investidores.
Pode-se dizer, portanto, que o plano do governo abriu as portas de um manancial de oportunidades e de dinamização da economia, que começa a ser efetivamente explorado. Aí é preciso considerar o papel do Estado. O governo tem dito que o plano habitacional é, acima de tudo, mais uma ação de resgate da cidadania. O que significa isso? Cidadania é uma idéia que tem raízes na antiguidade greco-latina.
Sucessão presidencial
Às portas do processo de sucessão do presidente Luis Inácio da Silva, esse debate está posto hoje no Brasil. E ele pode ser definido por uma pergunta básica: que tipo de Estado o país precisa? O economista Alfred Marshall tratou do assunto numa conferência que fez em Cambridge, em 1873. A pergunta sobre o tipo de Estado que queremos está na base das questões que angustiavam Marshall. Seu grande questionamento era se apesar das desigualdades de renda e de riqueza, que considerava inevitáveis, a sociedade moderna chegaria a proporcionar a todos os indivíduos uma sensação de mútuo reconhecimento como membros de uma mesma coletividade.
Conseguiria a sociedade inglesa, por exemplo, diluir os sentimentos de distância e de humilhação decorrentes da estratificação social pré-capitalista, que pareciam permanecer, sob nova roupagem, nas diferenças de classe social engendradas pela própria economia capitalista? Seria possível imaginar que um dia todo indivíduo pudesse se ver como um cavalheiro, pelo menos no sentido de não se sentir humilhado por exercer um trabalho menos qualificado e menos bem remunerado?
Evolução histórica
Outro Marshall (o Thomas) respondeu afirmativamente e de maneira abrangente às indagações do primeiro (Alfred). Seu célebre ensaio Citizenship and Social Class pode ser lido como uma ode ao desenvolvimentismo capitalista. O que ele pretende mostrar é a evolução histórica e, por meio dela, o enriquecimento e a crescente eficácia de três conjuntos de direitos: os civis, os políticos e os sociais.
Direitos civis são aqueles em que se baseiam as liberdades individuais. Direitos políticos são aqueles que conferem a cada cidadão uma parcela de influência na formação do poder político, por meio do voto e da participação em partidos e associações. E, finalmente, os direitos sociais: um mínimo de bem-estar econômico, seguridade social e a participação mais plena possível na herança cultural da sociedade.
Concreto e abstrato
No mundo dos economistas, esses conceitos são denominados como keynesianos. O ponto é: há espaços para um Estado keynesiano no Brasil atual? Todos os dias somos convidados a pensar por que o capitalismo neoliberal chegou ao fim tão precocemente. Pouco se diz, no entanto, sobre o novo sistema econômico que precisa nascer. Mas a morte do neoliberalismo não parece oferecer dúvidas.
O futuro não é um jogo de cartas marcadas, uma fotografia já revelada, imutável. O futuro, pelo contrário, se constrói no presente. São os passos que damos que vão inventando o caminho, como no provérbio. Partindo do concreto para o abstrato, é possível ver em iniciativas como a do programa habitacional do governo uma ótima oportunidade para se debater o futuro econômico e político do Brasil.
Inclusão social
Em entrevista ao Portal Vermelho no dia 18 de julho de 2005, o economista Carlos Lessa, ex-presidente do Banco Econômico e Social Brasileiro (BNDES), disse que o Estado deveria ter como prioridade a inclusão social. E uma das medidas prioritárias para isso seria um programa de habitação. “A inclusão social para o povo brasileiro é o quê? É programa de habitação, de educação, de saúde, de segurança, de justiça, de defesa...”, disse ele.
Carlos Lessa cita como pode haver um programa conjugado de educação e construção civil. “O que eu preciso para fazer, por exemplo, educação? Cimento, tijolo, telha, material hidráulico, para fazer a escola. Preciso de papel e gráfica para fazer o livro. Preciso de tecido para fazer a roupa da criança. Preciso de comida para fornecer o alimento. E preciso de muito professor”, diz ele.
Um grande país
O economista destaca que tudo isso é produzido dentro do país. “Se eu ampliar o programa de educação, eu vou gerar muito emprego para professor, para servente, para pedreiro, para pintor, para gráficos, para escritor. Se eu tiver que fazer um programa de habitação popular, eu preciso de areia, cimento, tijolo, telha, madeira, ferro... e muita mão-de-obra. Se eu fizer um grande programa social, eu dou ao povo melhor educação, melhor saúde, melhor casa, e ao mesmo tempo gero emprego em massa para os brasileiros”, afirma.
Carlos Lessa enfatiza que esse pode ser um grande país. Um imenso país. “Mas nós precisamos empurrar esses juros obscenos, indecentes, para baixo. Precisamos fazer uma política voltada para o interesse social do povo brasileiro”, enfatiza. Pode-se dizer que são medidas simples, ao alcance do governo brasileiro. Elas ganham mais relevância ainda diante dos sinais de que a crise mundial se agrava numa velocidade estonteante. O Brasil, no entanto, tem grande chances de potencializar o consumo interno e se resguardar dos efeitos mais perversos da crise.
Por Osvaldo Bertolino
Além dos benefícios sociais, é preciso considerar o potencial de dinamismo que o programa representa para toda a cadeia produtiva — desde produtores de materiais de construção até lojas de móveis — e para o conjunto da economia. A expectativa é de que finalmente o país passe a ter uma política habitacional — até agora o que nós tínhamos era um mosaico com medidas isoladas e paliativas.
A última vez que se fez política para a habitação no Brasil foi na década de 1960, com o Sistema Financeiro da Habitação (SFH). O impacto do pacote no combate ao déficit habitacional do país, estimado em 7,2 milhões de moradias, tem reflexo também na disponibilidade de crédito para as camadas com rendas mais baixas da população.
Mesmo com o agravamento da crise, a demanda é líquida e certa. Além de contar com prestações e juros subsidiados, o plano prevê um seguro que, no caso de famílias com renda entre três e cinco salários mínimos, garante até 36 prestações. Para famílias com renda entre cinco e oito salários mínimos, a proteção será de 24 prestações e, para as famílias com renda de oito a dez salários mínimos, de 12 prestações. Os custos com documentação serão reduzidos, chegando à gratuidade para famílias com renda entre zero e três salários mínimos.
Manancial de oportunidades
Outra diferença significativa desse plano em relação aos demais é que ele não se baseia em subsídios para as construtoras — ele oferece segurança para as famílias assumirem um crédito de longo prazo. O programa mexe até com a lógica de funcionamento das construtoras ao determinar a predominância de construção de moradias para a baixa renda. Há previsões também de que com a queda da taxa básica de juros do Banco Central (BC), a Selic, o setor imobiliário se torne mais atrativo para bancos e investidores.
Pode-se dizer, portanto, que o plano do governo abriu as portas de um manancial de oportunidades e de dinamização da economia, que começa a ser efetivamente explorado. Aí é preciso considerar o papel do Estado. O governo tem dito que o plano habitacional é, acima de tudo, mais uma ação de resgate da cidadania. O que significa isso? Cidadania é uma idéia que tem raízes na antiguidade greco-latina.
Sucessão presidencial
Às portas do processo de sucessão do presidente Luis Inácio da Silva, esse debate está posto hoje no Brasil. E ele pode ser definido por uma pergunta básica: que tipo de Estado o país precisa? O economista Alfred Marshall tratou do assunto numa conferência que fez em Cambridge, em 1873. A pergunta sobre o tipo de Estado que queremos está na base das questões que angustiavam Marshall. Seu grande questionamento era se apesar das desigualdades de renda e de riqueza, que considerava inevitáveis, a sociedade moderna chegaria a proporcionar a todos os indivíduos uma sensação de mútuo reconhecimento como membros de uma mesma coletividade.
Conseguiria a sociedade inglesa, por exemplo, diluir os sentimentos de distância e de humilhação decorrentes da estratificação social pré-capitalista, que pareciam permanecer, sob nova roupagem, nas diferenças de classe social engendradas pela própria economia capitalista? Seria possível imaginar que um dia todo indivíduo pudesse se ver como um cavalheiro, pelo menos no sentido de não se sentir humilhado por exercer um trabalho menos qualificado e menos bem remunerado?
Evolução histórica
Outro Marshall (o Thomas) respondeu afirmativamente e de maneira abrangente às indagações do primeiro (Alfred). Seu célebre ensaio Citizenship and Social Class pode ser lido como uma ode ao desenvolvimentismo capitalista. O que ele pretende mostrar é a evolução histórica e, por meio dela, o enriquecimento e a crescente eficácia de três conjuntos de direitos: os civis, os políticos e os sociais.
Direitos civis são aqueles em que se baseiam as liberdades individuais. Direitos políticos são aqueles que conferem a cada cidadão uma parcela de influência na formação do poder político, por meio do voto e da participação em partidos e associações. E, finalmente, os direitos sociais: um mínimo de bem-estar econômico, seguridade social e a participação mais plena possível na herança cultural da sociedade.
Concreto e abstrato
No mundo dos economistas, esses conceitos são denominados como keynesianos. O ponto é: há espaços para um Estado keynesiano no Brasil atual? Todos os dias somos convidados a pensar por que o capitalismo neoliberal chegou ao fim tão precocemente. Pouco se diz, no entanto, sobre o novo sistema econômico que precisa nascer. Mas a morte do neoliberalismo não parece oferecer dúvidas.
O futuro não é um jogo de cartas marcadas, uma fotografia já revelada, imutável. O futuro, pelo contrário, se constrói no presente. São os passos que damos que vão inventando o caminho, como no provérbio. Partindo do concreto para o abstrato, é possível ver em iniciativas como a do programa habitacional do governo uma ótima oportunidade para se debater o futuro econômico e político do Brasil.
Inclusão social
Em entrevista ao Portal Vermelho no dia 18 de julho de 2005, o economista Carlos Lessa, ex-presidente do Banco Econômico e Social Brasileiro (BNDES), disse que o Estado deveria ter como prioridade a inclusão social. E uma das medidas prioritárias para isso seria um programa de habitação. “A inclusão social para o povo brasileiro é o quê? É programa de habitação, de educação, de saúde, de segurança, de justiça, de defesa...”, disse ele.
Carlos Lessa cita como pode haver um programa conjugado de educação e construção civil. “O que eu preciso para fazer, por exemplo, educação? Cimento, tijolo, telha, material hidráulico, para fazer a escola. Preciso de papel e gráfica para fazer o livro. Preciso de tecido para fazer a roupa da criança. Preciso de comida para fornecer o alimento. E preciso de muito professor”, diz ele.
Um grande país
O economista destaca que tudo isso é produzido dentro do país. “Se eu ampliar o programa de educação, eu vou gerar muito emprego para professor, para servente, para pedreiro, para pintor, para gráficos, para escritor. Se eu tiver que fazer um programa de habitação popular, eu preciso de areia, cimento, tijolo, telha, madeira, ferro... e muita mão-de-obra. Se eu fizer um grande programa social, eu dou ao povo melhor educação, melhor saúde, melhor casa, e ao mesmo tempo gero emprego em massa para os brasileiros”, afirma.
Carlos Lessa enfatiza que esse pode ser um grande país. Um imenso país. “Mas nós precisamos empurrar esses juros obscenos, indecentes, para baixo. Precisamos fazer uma política voltada para o interesse social do povo brasileiro”, enfatiza. Pode-se dizer que são medidas simples, ao alcance do governo brasileiro. Elas ganham mais relevância ainda diante dos sinais de que a crise mundial se agrava numa velocidade estonteante. O Brasil, no entanto, tem grande chances de potencializar o consumo interno e se resguardar dos efeitos mais perversos da crise.
Nenhum comentário:
Postar um comentário