As versões divulgadas por fontes oficiais e reproduzidas sem espírito crítico pela mídia sobre o acordo entre o governo e quatro centrais sindicais (CUT, Força Sindical, UGT e CGTB) firmado em Brasília no dia 25 de agosto nem sempre correspondem aos fatos. O acordo foi anunciado como uma iniciativa das centrais sindicais e um bom negócio para a classe trabalhadora. Não é uma coisa nem outra.
Por João Batista Lemos*
Por João Batista Lemos*
A iniciativa foi do governo e a versão oficial promove uma inversão da realidade que pode ser politicamente conveniente para alguns, mas não é muito fiel à verdade dos fatos. Até então, prevalecia entre os dirigentes das centrais sindicais uma saudável unidade em defesa dos projetos do senador Paulo Paim (PT-RS) que põe fim ao fator previdenciário, restaurando os critérios anteriores ao redutor, e estende a todas as aposentadorias e pensões o mesmo reajuste concedido ao salário mínimo, que deve ser igual à inflação mais o percentual de crescimento do PIB de dois anos atrás.
As propostas do parlamentar gaúcho, previamente debatidas com as centrais sindicais, foram aprovadas por unanimidade pelos senadores e tramitam, agora, na Câmara Federal. A expectativa é de que os deputados sigam a mesma orientação do Senado.
O governo, porém, não concorda com o fim puro e simples do fator previdenciário nem com a equiparação dos reajustes. O objetivo com o acordo é justamente evitar o risco de que tais propostas sejam definitivamente aprovadas pelo Parlamento, o que contraria uma política econômica ainda fortemente marcada pelo viés neoliberal de ajuste fiscal, juros altíssimos, câmbio flutuante e livre circulação de capitais.
Por isto, o fundamento da negociação é a retirada desses e de outros projetos sobre o tema no Congresso Nacional. Em troca, o fator previdenciário seria reciclado com outros critérios e um novo nome: fator 85/95. As aposentadorias com valor superior ao salário mínimo seriam corrigidas pela inflação acrescida de um aumento real equivalente a 50% da evolução do PIB de 2007 em 2010, ou seja, metade do que está previsto no projeto aprovado por unanimidade pelos senadores para o mesmo ano. Em 2011 não haveria aumento real, uma vez que resultado do PIB em 2009 não deve ser positivo.
Divergência
O processo de negociações estabelecido por iniciativa do governo atropelou a unidade na luta pelo fim do fator previdenciário e, lamentavelmente, despertou divergências no movimento sindical. O Planalto conseguiu atrair quatro centrais para sua órbita. CUT, Força Sindical, UGT e CGTB concordaram em abrir mão do fim do fator previdenciário e da equivalência entre reajuste das aposentadorias e do salário mínimo, acataram o fator reciclado (85/95) e a correção dos benefícios previdenciários com um aumento real 50% menor do que o projeto aprovado por unanimidade pelos senadores.
O resultado da reunião do dia 25 de agosto em Brasília foi apresentado tanto pelo governo quanto pela mídia como um acordo do Palácio do Planalto com as centrais sindicais, o que também constitui uma versão falsa da realidade. Apenas quatro centrais representadas na reunião avalizaram a proposta do governo, o que fizeram, aliás, sem consultar previamente suas próprias bases. Com tal gesto, comprometeram a unidade.
CTB, Nova Central e Cobap (Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas) rechaçaram com energia o arranjo proposto, que mereceu a sugestiva designação de “acordão da Previdência”. Entidades que também são representativas da classe trabalhadora, como o FST (Fórum Sindical dos Trabalhadores), a Intersindical e o Conlutas, embora não tenham participado da reunião das centrais com o governo, também já firmaram posição contra o acordo.
Convém chamar a atenção para a opinião do deputado federal Darcísio Perondi (PMDB/RS), que considera a Cobap a principal representante dos aposentados e pensionistas brasileiros, a instituição mais legítima para negociar o tema na opinião do deputado federal. Ele não poupou críticas à conduta das duas principais centrais que respaldaram o acordo. "O governo está atrapalhado. Ele começou a negociar há um ano com a Confederação Brasileira dos Aposentados, que é a legítima instituição para isso. Porém, a CUT e a Força Sindical atravessaram e se arvoraram no direito de negociar pelos aposentados. O governo entrou numa canoa furada", comentou Perondi.
Embora as mudanças propostas pelo governo sejam um avanço em relação às condições prevalecentes hoje para aquisição e reajuste das aposentadorias é inegável que constituem um gritante retrocesso em relação aos projetos aprovados por unanimidade pelos senadores e em tramitação na Câmera dos Deputados. Foi por esta razão que a CTB e as outras entidades repudiaram o acordo e mantiveram o apoio aos projetos de Paulo Paim.
Conforme informações da Cobap, o valor real das aposentadorias e pensões em comparação com o salário mínimo foi depreciado em quase 70% ao longo dos últimos anos. O arrocho ocorreu principalmente nos governos neoliberais de FHC, que chegou ao ponto de chamar os aposentados de “vagabundos”. Esta foi a principal razão pela qual uma consulta eletrônica feita pela confederação junto a suas bases sobre o acordo proposto pelo governo revelou uma rejeição superior a 90%.
Recuperar o valor desses benefícios é um imperativo de justiça social do qual o movimento sindical não deve abrir mão. A proposta do governo reconhece a necessidade de recompor o valor dos benefícios, mas está muito aquém do projeto Paim e pode ser qualificada sem exagero de retrocesso.
Autonomia sindical
Igualmente inaceitável é a substituição do fator previdenciário pelo fator 85/95. Lembremos que na prática o fator previdenciário, produto de uma lei tucana aprovada em 1999, significa um redutor de até 40% do valor das novas aposentadorias. Ora, quando a luta pelo fim do fator previdenciário, em curso há anos, parecia se encaminhar para um final feliz, depois da votação no Senado, surgiu a ideia do fator 85/95, apresentada em parecer do deputado federal Pepe Vargas (PT-RS). Não se trata aqui de desejar “o quanto pior melhor”, mas de lutar pelo que é melhor para os trabalhadores, no caso a restauração dos critérios para aposentadoria existentes antes de 1999. Este é o papel de uma central sindical classista.
Também aí estamos diante de um retrocesso inaceitável, conforme enfatizou o presidente da CTB, Wagner Gomes, pois o trabalhador (homem) precisará somar a idade mais 35 anos de contribuição para completar os 95. “Operários da construção civil, comerciários e outras categorias nunca cumprirão tais critérios devido à alta rotatividade da mão-de-obra brasileira”, observou.
Déficit ou superávit?
As alegações de que a Previdência “vai quebrar” não procedem. A Constituição de 1998 (Título VII, Capítulo II) incluiu no conceito de seguridade social Previdência, saúde e assistência social e teve a sabedoria de instituir fontes específicas de financiamento que cobrem, com folga, as despesas, apesar do desvio de recursos pela DRU (Desvinculação da Receita da União).
Segundo Floriano Martins, dirigente da Anfip (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal), a seguridade social fechou o ano passado com um superávit de 52 bilhões de reais. A noção de déficit da Previdência é falsa, embora seja reiterada pela mídia e pelo próprio governo com o objetivo de justificar retrocessos sociais no setor. Além disto, a perspectiva do pré-sal abre a possibilidade de uma nova fonte de custeio para as políticas sociais.
Não restam dúvidas de que a posição da CTB corresponde aos interesses maiores da classe trabalhadora, é coerente com os princípios classistas e o preceito de autonomia sindical, que se define com a prática e não no discurso. As mudanças nas regras da Previdência, além do fim do fator previdenciário, devem ser feitas no bojo de um novo projeto nacional de desenvolvimento e ter por foco principal a inclusão de dezenas de milhões de trabalhadores e trabalhadoras que estão fora do mercado formal de trabalho e excluídos do sistema beneficiário, assim como uma política solidária com os idosos e não a depreciação de direitos.
É com essas e outras bandeiras do desenvolvimento com valorização do trabalho que devemos pavimentar a luta para dar continuidade ao ciclo de mudanças iniciadas no governo Lula. As centrais que assinaram o acordo com o governo se precipitaram. Deveriam consultar mais amplamente suas bases e rever suas posições.
* João Batista Lemos é diretor adjunto da Secretaria de Relações Internacionais da CTB
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