É hora de restringir as remessas de lucros das multinacionais
As remessas ao exterior de lucros e dividendos apropriados pelas multinacionais instaladas no Brasil vêm batendo novos recordes ao longo deste ano, cobrindo de sombras o horizonte das contas externas e comprometendo o crescimento do país. O valor dos recursos remetidos às matrizes nos doze meses compreendidos entre agosto de 2010 a julho de 2001 alcançou US$ 34,19 bilhões.
Temos aí a principal causa do déficit em conta corrente do balanço de pagamentos, que deve superar a casa dos US$ 50 bilhões neste ano, apesar do comportamento positivo da balança comercial. O saldo entre exportações e importações de janeiro a agosto foi positivo em US$ 19,9 bilhões, o que significa um aumento de 70,8% em relação ao mesmo período do ano passado.
A valorização das commodities (soja e minério de ferro, entre outras), decorrente da demanda chinesa, revolucionou as relações de trocas na economia mundial, favorecendo os países mais pobres, e explica o superávit no intercâmbio de mercadorias num contexto de valorização do real e de relativa desindustrialização. Todavia, não é o suficiente para impedir o rombo em conta corrente, reflexo do gigantesco passivo externo acumulado pelo país.
O crescimento extraordinário das remessas feitas pelas empresas estrangeiras aqui instaladas reflete a crise mundial do capitalismo e, em especial, as turbulências em curso na Europa e nos Estados Unidos, onde estão instaladas as matrizes dessas multinacionais.
Num momento de crescentes dificuldades, marcado pela queda no valor das ações e balanços negativos em diferentes ramos e setores, com destaque para o sistema financeiro, as filiais são pressionadas a aumentar o valor das remessas para cobrir prejuízos acumulados nas matrizes.
É um expediente que as potências capitalistas usam para transferir aos países mais pobres parte do ônus da crise que criaram e que, hoje, ameaça devorá-las. O que está ocorrendo não chega a ser novidade. Fenômeno semelhante foi verificado em 2008, quando a economia brasileira sofreu os primeiros impactos da crise.
Na linguagem marxista, os lucros e dividendos remetidos pelas multinacionais constituem uma parte, robusta, da mais-valia gerada pela classe operária brasileira. Embora o conceito possa parecer controverso e mesmo antiquado num ambiente em que floresce o possibilismo, é imprescindível levá-lo em conta para compreender o real significado deste movimento do capital estrangeiro.
O excedente do trabalho, no caso, configura uma poupança nacional que deixa de ser canalizada para os investimentos domésticos no momento em que é transferida para outras plagas. Ou seja, a remessa de mais-valia às matrizes reduz a taxa de investimentos internos.
Como o crescimento do PIB é, basicamente, determinado pelos investimentos, não é necessário grande esforço mental para concluir que a sangria promovida pelas transnacionais diminui o potencial de expansão da produção e, por consequência, conspira contra o desenvolvimento nacional.
O problema não diz respeito apenas à exploração secular da força de trabalho pelo capitalismo (ainda que do ponto de vista comunista este seja um aspecto central). Está estreitamente entrelaçado aos interesses nacionais, embora a ideologia dominante, ditada pela burguesia, seja incapaz de enxergar tal realidade.
Não é sem razão o temor manifestado por fontes do governo ao jornal Valor de que as remessas de lucros e dividendos ao exterior comprometam, por exemplo, os investimentos necessários para desenvolver o Programa Nacional de Banda Larga, estimados em US$ 70 bilhões nos próximos cinco anos.
O efeito negativo do fenômeno sobre o balanço de pagamentos tem sido neutralizado pelo fluxo de capitais estrangeiros para o país, atraídos tanto pela perspectiva de crescimento e lucros mais generosos quanto pelos juros mais elevados do mundo, que estimulam e premiam a especulação. Daí o superávit (no balanço de pagamentos) e o crescimento das reservas, em contraste com o déficit em conta corrente.
Mas o ingresso maciço de investimentos externos, diretos ou indiretos, tem o efeito colateral de ampliar o passivo externo líquido e, por consequência, o valor das transferências de riquezas às matrizes no futuro. Além disto, não seria prudente descartar a possibilidade de uma reversão do fluxo e fuga de capitais em caso de uma piora significativa no cenário econômico mundial, conforme ocorreu (embora por um breve período) em 2008.
Não é demais lembrar que a controvérsia em torno do tema foi uma causa (ou pretexto) para o golpe militar de 1964. Os tempos são outros e as percepções também. É óbvio, todavia, que a excessiva liberalidade em relação às remessas é mais uma herança do neoliberalismo que sobreviveu ao governo Lula e permanece, hoje, com aparência de “imexível”, como um tabu.
Os interesses nacionais e o desenvolvimento da economia recomendam a mudança da política praticada neste terreno desde os anos 1990, com a taxação mais rigorosa e imposição de normas que restrinjam as remessas ao exterior e garantam que a poupança embutida no excedente do trabalho nacional seja canalizada para os investimentos internos, elevando o potencial e a taxa de crescimento do PIB.
Fonte: Vermelho
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